O que você pensa quando ouve a palavra banco? Talvez pense em uma instituição financeira, ou aquele assento típico de praças. Mas e quando falamos de bancos genéticos?
Esses bancos genéticos funcionam como grandes cofres que armazenam material genético (DNA, RNA, células, tecidos ou organismos inteiros) para fins de pesquisa e aplicações médicas, agrícolas e biotecnológicas.
Em um cenário de mudanças climáticas cada vez mais intensas, sua importância cresce: eventos extremos, perda de habitat e alterações nos ecossistemas colocam inúmeras espécies em risco, tornando os bancos genéticos ferramentas fundamentais de adaptação e resiliência ambiental.
Os principais tipos de bancos genéticos são:
- Bancos de sementes: preservam sementes de plantas selvagens e cultivadas, mantidas em baixa temperatura e umidade.
- Bancos de DNA: conservam material genético extraído e purificado para estudos moleculares e genômicos.
- Bancos de tecidos: preservam amostras de tecidos vegetais e animais em nitrogênio líquido ou outras condições especiais, úteis em pesquisa de doenças e terapias.
- Bancos de germoplasma animal: armazenam sêmen, óvulos, embriões e tecidos de animais de espécies ameaçadas ou raças domésticas importantes para a agroindústria.
Além de permitirem gerar novos indivíduos por reprodução assistida ou clonagem, esses bancos mantêm a variabilidade genética das populações, evitando anomalias decorrentes de consanguinidade.
Confira iniciativas que utilizam bancos genéticos para a preservação de espécies animais:
Surubim: o maior peixe do Rio Iguaçu
Um exemplo é o projeto do Núcleo de Pesquisa Peixegen da Universidade Estadual de Maringá (UEM), coordenado pelo professor e zootecnista Ricardo Pereira Ribeiro, doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais. Em parceria com a Copel e o Grupo Cataratas, a iniciativa reproduz o surubim-do-Iguaçu (também conhecido como monjolo), maior peixe nativo do rio e frequentemente alvo de pesca predatória.
O projeto emprega duas abordagens complementares de conservação genética:
✔️ in situ: preservação de sêmen de exemplares capturados na natureza e de plantéis mantidos em cativeiro, formando um “banco” in vivo.
✔️ex situ: coleta de fragmentos de nadadeiras para compor um banco de DNA.
A Copel mantém um plantel reprodutor em cativeiro com pouco mais de 300 exemplares, utilizados em pesquisas, programas de reprodução e ações de repovoamento, garantindo a preservação genética da espécie. De forma similar, o Aquafoz, novo aquário de Foz do Iguaçu, abriga um pequeno plantel para pesquisa, exposição ao público e atividades de preservação.
Para Ribeiro, projetos desse tipo são fundamentais não só para a conservação do surubim‑do‑Iguaçu, mas também para conscientizar a sociedade.
“É importante salientar que este tipo de iniciativa é muito importante na conscientização da população e educação ambiental, além de levar a todos conhecimentos quanto à distribuição geográfica, dados biológicos e comportamentais da espécie.”
Onça-pintada: maior felino das Américas
O Instituto Reprocon dedica-se à conservação de grandes felinos, como a onça-pintada, desenvolvendo protocolos avançados de colheita e criopreservação de material genético. A iniciativa nasceu da união de dois projetos: o primeiro, iniciado em 2007 pelos pesquisadores Gediendson Ribeiro de Araújo e Thyara Deco-Souza, na Universidade Federal de Viçosa (UFV); e o segundo, em 2015, conduzido pelos médicos-veterinários Letícia Requena e Pedro Nacib Jorge Neto, na empresa Novagen Genética, em parceria com o professor Hernan Baldassarre e o médico-veterinário Jorge Aparecido Salomão Jr.
Em 2017, esses seis profissionais, juntamente com as professoras Cristiane Schilbach Pizzutto e Kiky (Anneliese) de Souza Traldi, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP), fundaram o Reprocon (Reprodução para Conservação).
“Hoje temos um protocolo bem estabelecido, que utiliza cateterização uretral após indução farmacológica, evitando contaminação com urina e aumentando a qualidade da amostra”, afirma Pedro Nacib Jorge Neto, um dos pioneiros do Instituto.
O biobanco criado pelo Reprocon conecta populações selvagens e cativas, apoiando programas de reprodução e facilitando o intercâmbio genético entre diferentes biomas.
“O banco de germoplasma funciona como um seguro genético para o futuro da espécie”, diz Jorge Neto. “O sêmen, se corretamente armazenado em nitrogênio líquido, pode ser preservado indefinidamente.”
O banco não se limita às células sexuais; também armazena células somáticas, ampliando a salvaguarda genética individual: “A colheita de células somáticas, como fibroblastos a partir de pequenas amostras de pele da orelha, tem-se mostrado uma alternativa fantástica. Esse procedimento é mais simples, pode ser feito em animais de qualquer sexo ou idade, e até mesmo post mortem (como temos feito em animais atropelados no Pantanal), e o material é mais fácil de transportar e cultivar”, destaca Jorge Neto.
Aves ameaçadas
Outro exemplo promissor é o projeto do Grupo de Estudo para Multiplicação de Aves (Gema) da FMVZ-USP, em parceria com o Zoológico de São Paulo, coordenado pelo professor de Reprodução em Aves, Ricardo José Garcia Pereira.
“O principal objetivo do projeto é criar um criobanco de material genético de aves ameaçadas presentes no plantel do Zoológico de São Paulo. Com isso, pretendemos preservar a diversidade genética dessas espécies e oferecer suporte para futuras estratégias de conservação”, explica o professor.
As atividades iniciaram-se em outubro de 2024 com coletas em galinhas domésticas, utilizadas para padronizar os protocolos. Em março de 2025, começaram as primeiras coletas em espécies ameaçadas:
✔️ arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus);
✔️arara-azul-de-Lear (Anodorhynchus leari);
✔️ararinha-azul (Cyanopsitta spixii);
✔️mutum-de-Alagoas (Pauxi mitu).
Até o momento, fibroblastos de 24 aves foram coletados e cultivados; 17 amostras já estão criopreservadas em nitrogênio líquido a -196 °C. O projeto conta com a participação de alunos, como a mestranda Julia Roismann, responsável pelo cultivo e congelamento das células como parte de sua pesquisa.
Arca de Noé moderna
Os bancos genéticos brasileiros estão se consolidando como uma verdadeira “Arca de Noé” moderna, na qual a biodiversidade do País é preservada em microscópicas amostras de DNA. Esses repositórios somam-se a outras iniciativas de conservação, como destaca Pedro Nacib Jorge Neto, do Reprocon.
“O banco de sêmen é um componente essencial em uma estratégia de conservação ampla, alinhando-se perfeitamente com a filosofia da Conservação Única. Nenhuma ação de conservação é eficaz de forma isolada; a colaboração e a integração são essenciais.”
 
						